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Setembro amarelo marca a luta contra o suicídio

No Brasil, desde 2013, a Campanha Setembro Amarelo é uma das mais importantes ações na luta contra o suicídio.

Triste realidade que atinge o mundo todo, o suicídio gera tristeza e inconformismo. De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2019, mais de 700 mil suicídios são registrados em todo o mundo, sem contar com os episódios subnotificados, com isso, estima-se mais de 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia.

Todos os anos, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária ou câncer de mama – ou guerras e homicídios. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Trata-se de um fenômeno complexo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades.

​Para saber mais sobre esse drama que atinge milhares de famílias brasileiras todos os anos, conversamos com a psicóloga do Hospital e Maternidade Galileo, Maithe Cristhine Prampero.

Hospital Galileo. Em sua opinião, qual é a importância da campanha Setembro Amarelo para auxiliar no combate ao suicídio?

Maithe Cristhine Prampero. O setembro amarelo é uma campanha de conscientização, assim, o objetivo é sensibilizar a população acerca de um tema importante, que afeta o mundo todo, incluindo crianças e adolescentes. A importância da campanha recai sobre a reflexão e a formulação de políticas públicas e redes de suporte àqueles que apresentam sofrimento mental significativo. É fundamental que exista tal campanha, com objetivo de apresentar fatos e informar as pessoas sobre formas de ajudar amigos e familiares em sofrimento, além de enfatizar o papel da ajuda profissional, com psicólogos e psiquiatras. O setembro amarelo é o botão de “start”, mas não pode ser esquecido nos outros onze meses do ano, assim, a campanha deve trazer a discussão à tona, mas ela deve ser mantida em tempo integral, ao longo do ano, pois pessoas sofrem de janeiro a janeiro.

Hospital Galileo. Quais são os sinais mais claros que indicam que uma pessoa está prestes a cometer suicídio? Quando esses sinais são notados e o que deve ser feito para evitar o pior?

Maithe Cristhine Prampero. Existem muitos mitos associados ao suicídio, muitos dos quais corroboram com ideias preconceituosas e generalistas. O mito de que “a pessoa não dá sinais” é um dos mais perigosos, pois sempre há uma sintomatologia que indica a ideação ou planejamento suicida. Afirmações claras podem ser apresentadas, como “a vida não tem sentido”, “desisti de viver”, “não me importo mais com nada”, e estas falas não devem ser negligenciadas. Outros sinais que podem indicar um sofrimento com planejamento suicida são:

– Isolamento social (pessoa se afasta de amigos e familiares, permanece longos períodos em domicílio, sem realizar atividades);

.Humor deprimido;

.Falta de prazer nas atividades que costumavam ser satisfatórias (anedonia);

.Falta de autocuidado (pessoa deixa de se alimentar, tomar banho, fazer atividades básicas de vida);

.Desligamento dos acontecimentos em diversos campos (trabalho, relações interpessoais);

.Discurso contendo aspectos que indicam desejo pela morte;

.Ambivalência (desejo de morrer e desejo de viver se contrapondo a todo instante).

Outros sinais podem existir, pois cada caso é único e cada sujeito apresentará os sintomas de maneira singular. Assim, o mais importante é observar as mudanças no comportamento daquela pessoa: ela era diferente? Agia de outras formas? É importante observar se a pessoa mudou de maneira extrema, pois isso pode indicar um sofrimento intenso.

Hospital Galileo. Se uma pessoa declarar de forma explícita que deseja cometer suicídio, quais atitudes devem ser tomadas de imediato?

Maithe Cristhine Prampero. De maneira imediata, deve-se proteger a vida daquela pessoa, ou seja, retirá-la de lugares perigosos e eliminar do ambiente tudo que pode ser meio letal (objetos perfurocortantes, medicamentos psiquiátricos, produtos de limpeza, bebidas alcoólicas). Deve-se evitar que esta pessoa permaneça sozinha (se residir sozinha, levá-la para a casa de um familiar ou amigo, ou então pedir que alguém permaneça no domicílio desta pessoa). Se houver um profissional que já acompanha o caso (psiquiatra e/ou psicólogo), o mesmo deverá ser contatado, para que possa ativar o plano de segurança. O mais importante é acionar a rede de apoio desta pessoa (quem lhe dá suporte e em quem ela confia) e buscar reduzir o quadro agudo. Caso não exista um profissional de referência, deverá ocorrer a busca por ajuda profissional, em um momento posterior, assim que a vida da pessoa estiver fora de risco. O objetivo em um momento de crise e tentativa, é a proteção à vida.

Hospital Galileo. É possível determinar o perfil de pessoas que cometem suicídio?

Maithe Cristhine Prampero. Sim e não. Não é possível descrever de maneira concreta e completamente fiel um perfil de pessoas que cometem suicídio, pois o sofrimento extremo é algo a que todos os indivíduos estão sujeitos. Apesar disto, existem alguns fatores que são considerados “de risco”, e que podem aumentar a vulnerabilidade do indivíduo, e, logo, a suscetibilidade à ideação e planejamento suicida. São eles:

.Presença de transtornos do humor (ex: depressão);

.Presença de transtornos de personalidade;

.Quadros graves de ansiedade;

.Presença de doenças orgânicas, crônicas e que ameaçam à vida;

.Histórico familiar de transtornos psiquiátricos ou tentativa/morte por suicídio;

.Rede de apoio fragilizada e isolamento social;

.Eventos traumáticos, perdas, rupturas;

.Histórico de violências de todo tipo;

.Dificuldade de enfrentamento frente a desafios (repertório de enfrentamento apresenta poucos elementos);

.Uso de substâncias;

.Acesso a meios letais.

Existem outros fatores de risco, que podem variar de pessoa para pessoa, por isso, é importante observar a rotina de vida e os hábitos daquele indivíduo.

Hospital Galileo. Quais são os principais distúrbios que levam uma pessoa a se suicidar?

Maithe Cristhine Prampero. Principalmente transtornos de personalidade e de humor, tais como Transtorno de Personalidade Borderline, Transtorno Afetivo Bipolar, Distimia, Depressão Maior. Apesar disso, abuso de medicamentos e substâncias também podem levar ao suicídio, bem como quadros graves de ansiedade. A presença de comorbidades (doenças associadas, ou seja, mais de um transtorno) podem intensificar o risco suicida.

Hospital Galileo.  Como o psicólogo pode auxiliar uma pessoa que declara o intuito de se suicidar?

Maithe Cristhine Prampero. Existem diversas abordagens psicológicas que auxiliam nos transtornos psiquiátricos. Em casos graves, como são aqueles com ideação, planejamento e tentativas de suicídio, é importante associar o acompanhamento psicológico ao psiquiátrico, ou seja, o trabalho em rede será fundamental para auxiliar este indivíduo. O seguimento deverá ser constante (pelo menos uma sessão por semana), e familiares/amigos poderão ser contatados. É importante estabelecer um vínculo confiança com o paciente, manter o contato sempre ativo, além de elaborar, em conjunto com o indivíduo, um plano de proteção à vida. Ainda, o profissional deverá ter um contato de emergência, para o caso de ser necessário acionar alguém próximo àquela pessoa, que poderá acessá-la rapidamente. Em casos gravíssimos, pode-se recomendar a hospitalização em local apropriado, ou o acompanhamento em hospital dia e serviços da rede de atenção, como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), as Residências Terapêuticas e os Hospitais Especializados. A internação não é uma recomendação universal, e não deverá acontecer de maneira precipitada e impulsiva, pois se trata de uma conduta bastante delicada, que precisará ser planejada, apresentada ao paciente e familiares, e organizada com outros profissionais.

Prioriza-se o tratamento ambulatorial próximo, com seguimento presencial. Caso o paciente não tenha condições de comparecer, poderá ser feito um tratamento online, com psicoterapia. Ainda, existem Clínicas-Escola, que oferecem atendimentos gratuitos à comunidade, expandindo a acessibilidade da população ao tratamento de saúde mental.

Hospital Galileo. Qual é o papel da família para evitar o suicídio de um familiar?

Maithe Cristhine Prampero.  A família é um pilar importante do tratamento, e poderá ser a rede de apoio do paciente, se os membros dessa família forem considerados pessoas de confiança e que oferecem segurança ao paciente. Em alguns casos, a família não é um local neutro, e poderá agravar alguns riscos, de modo que a rede de apoio poderá ser de um parceiro ou amigos. Quando a família oferece o amparo adequado e a segurança que o paciente precisa, deverá ser participante ativa e próxima deste acompanhamento. O papel da rede de apoio é ouvir sem julgar, acolher, e oferecer presença. Deve-se deixar claro ao sujeito que existem pessoas preocupadas e que estas poderão ser acionadas. O paciente precisa sentir que não está “atrapalhando” ou “incomodando” sua rede, e que suas demandas são legítimas e importantes. O apoio não deve ser por meio do confronto ou questionamento dos sintomas (“mas por que você se sente triste?”, “você tem uma vida excelente, por que não quer mais viver?”). Questionamentos podem deslegitimar o discurso do sujeito, favorecendo o isolamento e a intensificação da sintomatologia suicida. Ajude o indivíduo a procurar ajuda profissional, acompanhe na primeira consulta se for possível. Veja a seguir formas de oferecer suporte por meio de fala:

. magino que você esteja em muito sofrimento para considerar o suicídio, mas vamos encontrar outras saídas;

.Entendo que a morte possa parecer uma resolução, mas este ato extremo não lhe permite viver uma outra vida;

.Sinto muito que tudo esteja tão pesado e difícil para você.

Perguntas, quando feitas da forma correta, também pode ser um suporte:

.Como posso te ajudar?

.Tem algo que eu possa fazer?

.O que você espera de mim neste momento?

.Você quer falar sobre isso ou prefere falar de outros assuntos?

Uma pessoa em risco de suicídio sente-se culpada, triste, angustiada, e já se questiona em tempo integral, então, não é papel da rede de suporte intensificar esses questionamentos. Lembre-se que, para que o suicídio pareça uma alternativa, aquela pessoa já tentou antes outras soluções, e encontra-se em um lugar de muito desamparo, de modo que não consegue ou não enxerga outras ferramentas para enfrentar as dificuldades, tomar decisões e fazer coisas diferentes. Ainda, tenha em mente que o suicídio não é “para chamar a atenção”, tampouco é “uma frescura”, pois é um problema sério, que leva muitas pessoas à morte diariamente. Não negligencie aquilo que alguém em sofrimento está dizendo. Ouça, acolha, ajude a pessoa a encontrar profissionais de saúde mental. Esteja presente.